Poor Things
É (razoavelmente) fácil entender como um transplante de cérebro pode salver alguém da morte, numa nova “casca”, a pessoa vive. Uma consciência morre, um corpo fica, uma nova consciência é colocada no lugar.
Mas isso quer dizer então que a pessoa é, afinal, seu cérebro?
O pragmatismo dos personagens desse filme, por mais que divertido às vezes, faz com que eles acabem desviando de questionamentos muito interessantes.
No filme “O Grande Truque”, do Nolan, tem uma proposta que leva essa ideia ainda mais a fundo. Naquele mundo, a clonagem completa de um ser humano se tornou possível, outro ser humano idêntico a você, com as mesmas memórias, pensamentos e até o mesmo corpo, podem co-existir, não existe nada em você como indivíduo que te separa daquele outro você… ou será que não?
Num mundo onde a Victoria não tivesse pulado daquela ponte, sua vida e da sua filha seguiriam, mas naquele mundo, nenhuma das vidas seguiram, pelo menos não como deveria ser. O homem interveio, como ele sempre tenta fazer, e dai nasceu a Bella, que não é filha, nem mãe, mas uma terceira coisa. Uma ideia MUITO fascinante.
Então fiquei bem frustrado quando o filme reconhece isso, mas não discorre mais sobre.
Pois se existe algo que consiga definir o que é ser algo, não pode ser o corpo, que pode ser trocado se necessário, nem o cérebro ou consciência, que em teoria pode ser replicado indefinidamente. Tudo isso impossibilita implicar nossa existência materialmente, então seria a alma a única solução para o dilema? Ou nossa continua sensação de existir é só uma ilusão?
Chegando no arco final da história, Bella volta para casa após saber da notícia que o God está morrendo. Antes da morte dele, ela decide que vai se casar com o Max, mas no dia do casamento ela é confrontada com o passado da sua mãe, do seu corpo. Curiosa pela história por trás do seu “nascimento”, ela acaba descobrindo que seu pai/marido é cruel e abusivo, e foi essencialmente a causa da sua trágica existência, então ela decide se vingar.
A partir daí, quando ela estava com o corpo daquele homem a sua disposição, pensei por um momento que ela fosse salvar o God, do mesmo jeito que ele havia feito com ela, afinal, num mundo onde o corpo não é mais o fator limitante da existência, o que iria impedir como o God vivo indefinidamente? Um cérebro poderia viver para sempre, basta trocar o corpo quando necessário.
Mas obviamente não é nada disso que acontece, não acho que isso fosse deixar a história melhor ou nada do tipo, só parece que o filme nem reconhece várias ideias fascinantes que estão presentes nele. Ao invés disso, eles só colocam o cérebro de um bode no corpo do general, toda essa construção para fazer uma piada que nem é lá tão engraçada.
Ainda é uma experiência bem divertida, mas o foco geralmente parece pender para coisas simples e fáceis, desperdiçando um monte de ideias mais interessantes e desafiadoras.